JORNAL O LIBERAL. BELÉM DO PARÁ. 16.02.2008
QUEM MATA NÃO HERDA
ZENO VELOSO
Segunda-feira passada, proferi a aula inaugural do curso de pós-graduação em Direito de Família e das Sucessões na Escola Paulista de Direito, instituição modelar, que me deixou muito impressionado. Além dos alunos, estiveram presentes, o que muito me honrou – e preocupou, pois são dois representantes do que há de mais ilustre entre os jovens professores brasileiros – José Fernando Simão e Flávio Tartuce, autores, já, de consagradas obras. Aliás, como falou um antigo e saudoso mestre, Haroldo Valladão: “quem se declara jurista sem ter publicado livros, jurista, na verdade, não é”.
A aula se estendeu de 19 às 22:30h. Houve muitas perguntas e debates, considerando que os alunos já são graduados e, todos, tornaram-se bacharéis em Direito com notas excelentes. Em dado momento, abordei o tema dos excluídos da sucessão, ou seja, dos indignos de suceder por terem praticado atos ofensivos à pessoa ou honra do titular da herança, ou conduta atentatória contra sua liberdade de testar. As causas que determinam a exclusão de herdeiros e legatários estão taxativamente expostas no art. 1.814 do Código Civil. E a exclusão não se dá automaticamente, dependendo de uma ação própria e de sentença final, transitada em julgado, embora não se exija – ao contrário do que se dá no direito francês e no belga – a prévia condenação criminal. Registre-se, ainda, que são pessoais os efeitos da exclusão, previstos no Código Civil, cujo art. 1.816 menciona que os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse.
O caso mais grave que possibilita a exclusão do herdeiro ou do legatário vem previsto no inciso I do Art. 1.814 do Código Civil, que aponta os “que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente”.
Inevitavelmente, foi relembrado o bárbaro assassinato do casal Manfred e Marísia von Richthofen, ocorrido em São Paulo no dia 31 de outubro de 2002. Suzane, a filha do casal, seu namorado, Daniel, e o irmão dele, Christian Cravinhos, tiraram as vidas de Manfred e Marísia enquanto eles dormiam, aplicando-lhes violentos golpes na cabeça, com barras de ferro. O Ministério Público denunciou-os por crime de duplo homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima; e fraude processual, por terem alterado a cena do crime. O julgamento da trinca ocorreu em julho de 2006, e todos foram condenados: Suzane e Daniel pegaram 39 anos, e Christian 38 anos de cadeia.
Por sua vez, na área cível, o irmão de Suzane, Andréas Albert von Richthofen, ingressou com ação declaratória para excluir a homicida da herança de seus pais, ou seja, das pessoas que assassinou. Por incrível que pareça, até o presente momento, tantos anos passados do bárbaro crime, o processo não chegou ao fim e ainda não se proferiu uma decisão a respeito da exclusão de Suzane da herança de Manfred e Marísia.
Um advogado me contou que aqui, no Pará, ocorreu caso interessante, pedindo minha opinião. Gilmar e Carolina eram casados sob o regime da comunhão universal. O casal tinha uma filha, Amanda, e o marido tinha outro filho, Luís, de relacionamento anterior. Carolina praticou contra Gilmar crime de homicídio doloso e, depois, suicidou-se. Mesmo que fosse possível a propositura e prosseguimento da ação após a morte do indigno (Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves afirmam que não; Francisco Cahali e Giselda Hironaka dizem que sim), no caso, a autora do homicídio, Carolina, era meeira, em razão do regime de bens do casamento, e este fato não fica alterado por ter a esposa matado o marido, uma vez que meação não é herança. Quem é declarado indigno perde o direito de herdar, todavia, mantém sua meação, que tem outra razão jurídica e não depende da morte. A herança de Gilmar será dividida, em partes iguais, entre seus dois filhos. Entretanto, a meação de Carolina irá, exclusivamente, para sua filha, Amanda.
p.s. quinta-feira, à noite, recebi telefonema do amigo Mário Delgado e ele me disse que estava com um grupo, no restaurante Itamarati, em São Paulo, festejando o resultado do disputadíssimo concurso de professor doutor da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP. José Fernando Simão, citado na coluna de hoje, obteve o segundo lugar. Viva o Simão!