CASO ZECA PAGODINHO - SENTENÇA 3 - NOVA SCHIN X BRAHMA - TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO
+ confira
VISTOS. PRIMO SCHINCARIOL INDÚSTRIA DE CERVEJAS E REFRIGERANTES S/A, empresa qualificada na inicial, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais e materiais, pelo procedimento ordinário, em face da COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS – AMBEV e COMPANHIA BRASILEIRA DE BEBIDAS S/A – CBB, igualmente qualificada nos autos. Alega, em resumo, que é empresa que atua no ramo de industrialização e comercialização de bebidas e celebrou contrato de prestação de serviços e uso de imagem com o conhecido cantor Zeca Pagodinho, para veiculação, com exclusividade, de seu produto a cerveja Nova Schin.
Entretanto, ainda na vigência do contrato, as requeridas ilicitamente aliciaram o cantor e utilizaram sua imagem e voz em campanha publicitária da cerveja Brahma, veiculando propaganda comparativa e aviltante à cerveja comercializada pela autora. Acrescenta que outras ações foram ajuizadas para impedir a veiculação da propaganda e, uma vez que tal conduta ilícita das rés feriu princípios éticos, constitucionais e legais, causando prejuízos à autora, pede a procedência do pedido para que seja condenada ao pagamento de indenização por danos materiais, consistente no ressarcimento de todos os investimentos com as campanhas do produto Nova Schin que envolveram a participação do cantor – a serem apurados em liquidação de sentença –além de morais pela indevida e maliciosa exposição do produto e imagem da empresa requerente. Juntou os documentos de fls. 38/979. Determinada a emenda à inicial (fls. 980), a requerente aditou o pedido para postular a condenação das rés ao pagamento de cem milhões de reais por danos materiais e outros cem milhões de reais a título de danos morais (fls. 981/983). Recebida a emenda à inicial, as rés foram regularmente citadas (fls. 1000/1001) e apresentaram a contestação de fls. 1.050/1.087. Inicialmente informam que a co-ré CBB foi extinta e incorporada à Ambev e, no mérito, rebatem os argumentos expostos na inicial. Afirmam que eventual direito à indenização já foi objeto de demanda ajuizada pela autora perante o juízo da 36ª Vara Cível da Capital e julgada procedente, com a condenação do cantor Zeca Pagodinho ao pagamento de indenização que atingiu cerca de 2 milhões de reais, de sorte que não há como postular nova condenação da AmBev. Acrescentam que não participaram do contrato e, por isso, se não intervieram no acordo de vontade, os acontecimentos não podem atingi-las, pois apenas aqueles que participaram do contrato devem observar os seus termos. Finalizam a contestação com o argumento de que a concorrência foi lícita e, portanto, não existe dano material ou moral a ser indenizado, mesmo porque a própria inicial indica que a campanha foi um sucesso, o que torna desnecessário o ressarcimento dos gastos efetuados com ela. Juntaram os documentos de fls. 1.088/1.155. Réplica a fls. 1.160/1.172. As partes expressamente dispensaram a realização de audiência de conciliação, postulando o julgamento antecipado da lide (fls. 1.176/1.179).
É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO E DECIDO.
Cuida-se de ação de indenização por danos morais e materiais, pelo procedimento ordinário, ajuizada por Primo Schincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes Ltda. em face da Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV e Companhia Brasileira de Bebidas – CBB.
Pretende a requerente a condenação das requeridas ao ressarcimento de tudo aquilo que gastou com a propaganda de lançamento da cerveja Nova Schin que contou com a participação do cantor conhecido como Zeca Pagodinho. O feito prescinde de outras provas, pois bastam aquelas existentes nos autos para a formação da convicção do julgador. Assim, remanescendo apenas questões de direito, passo ao julgamento da lide no estado em que se encontra o processo (art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil). Não há preliminares ou irregularidades a serem enfrentadas, motivo pelo qual passo, desde logo, à análise do mérito do pedido.
Em sua essência os fatos são incontroversos, eis que por todos admitidos. Aliás, a situação colocada nos autos é do conhecimento geral, já que todos tiveram acesso, inclusive através de matérias divulgadas pela imprensa, aos fatos que envolveram a campanha publicitária das duas grandes marcas de cerveja, ou seja, Schincariol e Brahma, pois ambas utilizaram o mesmo personagem em suas campanhas, o cantor Zeca Pagodinho.
Também se tornou incontroverso – as requeridas jamais contestaram esse ponto – que o referido cantor, em um primeiro momento, celebrou contrato com a autora que realizou ampla e conhecida campanha publicitária informando a “mudança” de marca de cerveja, para depois de algum tempo, veicular campanha da concorrente – ora rés – informando aos consumidores que havia “voltado” para a cerveja que consumia antes. Isto considerado, segundo penso, é evidente que, a despeito da argumentação das requeridas sobre a necessidade de se observar os limites do contrato apenas entre os participantes, se a atuação de um terceiro estranho causa prejuízo a um dos contratantes surge o dever de indenizar pelo ato ilícito. Nos termos do art. 186, do Código Civil, todo aquele que por ação ou omissão voluntária viola direito de outrem e lhe causa prejuízo, comete ato ilícito passível de indenização. Afinal, “é sabido que os contratos interessam à sociedade. É inconcebível crer que, no momento atual, se possam plagiar os oitocentistas, alegando que a relação contratual é res inter alios acta (ou seja, que apenas concerne às partes, e não a terceiros). Os bons e maus contratos repercutem socialmente. Ambos os gêneros produzem efeito cascata sobre a economia. Os bons contratos promovem a confiança nas relações sociais. Já os contratos inquinados por cláusulas abusivas resultam em desprestigio aos fundamentos da boa-fé e quebra de solidariedade social. Daí a necessidade de oponibilidade externa dos contratos em desfavor dos interesses dos contratantes...Porém, da mesma forma que podem ser afetados por contratos alheios, terceiros também podem agir de forma a violar uma relação contratual em andamento...” e, em decorrência disso, serem condenados a responder pelos danos emergentes a partir da indevida influência na relação existente entre outras pessoas (Código Civil Comentado, Nelson Rosenvald e outros, Editora Manole, 2007, pág. 313). Nesse sentido já se dirigia a doutrina antes mesmo do advento do novo Código Civil, pois como ensina Antonio Junqueira Azevedo, “a responsabilidade do terceiro é, pois aquiliana. Efetivamente, se um contrato deve ser considerado como fato social, como temos insistido, então a sua real existência há de impor-se por si mesma, para poder ser invocada contra terceiros, e, às vezes, até para ser oposta por terceiros às próprias partes. Assim é que não só a violação de contrato por terceiro pode gerar responsabilidade civil desde (como quando terceiro destrói a coisa que devia ser prestada, ou na figura da indução ao inadimplemento do negócio jurídico alheio), como também terceiros podem opor-se ao contrato, quando sejam por ele prejudicados (o instituto da fraude contra terceiros é exemplo típico disto)” (Revista dos Tribunais nº 750, pág. 119, grifei). É exatamente esta a hipótese que se coloca nos autos, pois se as requeridas tivessem contribuído para que um dos contratantes descumprisse aquilo que havia sido acordado, seria indiscutível o dever de indenizar pelos prejuízos materiais decorrentes da indevida rescisão operada unilateralmente por um dos participantes do negócio jurídico. Entretanto, por outro motivo – também lembrado na contestação – o pedido deve ser julgado improcedente. É que a indenização pretendida pela autora em relação aos danos materiais se restringe ao ressarcimento das despesas que teve com a campanha publicitária, pois afirma que a conduta ilícita das rés causou inequívoco prejuízo, tornando imprestável o investimento nas campanhas da cerveja Nova Schin. Acontece que, neste ponto, seria mesmo imprescindível que viesse aos autos prova indiscutível de que a atuação das rés prejudicou de alguma forma a campanha publicitária a ponto de gerar o dever de ressarcir todos os investimentos realizados. Vale dizer, para aplicação da teoria consagrava no art. 421, do Código Civil – função social do contrato – a intervenção do terceiro estranho, capaz de influenciar o contrato, deveria ficar bem comprovada nos autos. Nos termos do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, incumbe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte”. Isto porque “o juiz, na sentença, somente vai socorrer-se das regras relativas ao ônus da prova se houver non liquet quanto à prova, isto é, se o fato não se encontrar provado. Estando provado o fato, pelo princípio da aquisição processual, essa prova se incorpora ao processo, sendo irrelevante indagar-se sobre quem a produziu. Somente quando não houver a prova é que o juiz deve perquirir quem tinha o ônus de provar e dele não se desincumbiu” (Código de Processo Civil Comentado, Nelson Ney Junior e Rosa Maria Andrade Nery, 9ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág. 531). Entretanto, essa prova não veio aos autos a ponto de justificar a pretensão inicial. Ao contrário, a própria inicial afirma o sucesso da campanha, que contou com a participação de outros artistas e gerou considerável aumento nas vendas do produto e também da participação da autora no segmento de cervejas. Nas suas próprias palavras “...o produto tornou-se um enorme sucesso...fenômeno poucas vezes presenciado em todo o mundo” (fls. 5). Assim, ainda que possa ser tida como indevida a intromissão das requeridas no contrato que havia entre a autora e o cantor para divulgação da cerveja, não se vê demonstrado nos autos o prejuízo alegado com a ruptura do contrato a ponto de justificar a condenação ao total ressarcimento de todo o investimento na campanha publicitária. Afinal, repita-se, a campanha foi um sucesso e, portanto, o investimento gerou o retorno esperado, trazendo evidente benefício para a autora – fato por ela própria confessada – de sorte que não vejo como reconhecer, neste particular, responsabilidade das rés por prejuízos decorrentes do investimento, se a campanha não fracassou, ao contrário, elevou as vendas do produto. Por isso, incabível a indenização pelos prejuízos materiais invocados na inicial. Também não vislumbro, outrossim, o direito à indenização pelos danos morais. Primeiro porque, neste ponto, o prejuízo moral já foi objeto de apuração e fixação em processo diverso, dirigido contra o apontado autor do ato – o cantor Zeca Pagodinho – este sim, que seria o responsável direto por eventuais prejuízos à imagem da autora. É que foi ele quem divulgou, em um primeiro instante, a mudança para a marca de cerveja distribuída pela autora para, depois, afirmar ao público em geral que preferia a concorrente. Como bem observou a decisão proferida pelo MM. Juiz da 36ª Vara Cível Central da Capital, nos autos do processo nº 109.435-2/04 e nº 27.913-8/04, “Aí fica clara a ocorrência dos danos morais, pois o comportamento deletério do Réu Jessé ofendeu a imagem da Autora, inicialmente do ponto de vista subjetivo e certamente também do ponto de vista objetivo...” (fls. 1.099). E depois porque não se vislumbra na conduta das requeridas a necessária intenção de prejudicar a imagem da autora. Se investiram e conseguiram aliciar o “garoto propaganda” eleito pela requerente para de divulgação do produto concorrente, deveriam arcar com os prejuízos decorrentes dessa atuação, mas não é possível antever que essa conduta tivesse causado prejuízo à boa imagem da empresa que o fabricava a cerveja.
À requerente, então, cumpria o dever de demonstrar o fato constitutivo de seu direito e como não se desincumbiu desse ônus, não há como reconhecer que a intervenção das rés tivesse tornado imprestável todos os investimentos da autora (fls. 25), se outros elementos de convicção conduzem à conclusão oposta, ou seja, que a propaganda atingiu seu objetivo principal. Bem por isso, no meu sentir, só restaria à autora buscar indenização por prejuízos que tivesse sofrido com, por exemplo, a redução de vendas após a ruptura do contrato e veiculação do comercial que fazia referência à cerveja, mas buscar o ressarcimento de todos os gastos com a campanha que, bem ou mal, atingiu seu objetivo de alavancar a venda da Nova Schin, sem prova efetiva do dano, impossível acolher a pretensão da autora. Em suma, a improcedência do pedido inicial é medida que se impõe à correta solução do caso em questão. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido e condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo, por equidade, em R$ 5.000,00. P. R. I. São Paulo,
10 de julho de 2007.
ALEXANDRE CARVALHO E SILVA DE ALMEIDA JUIZ DE DIREITO