Julgado do TJ/RS - Indenização contra empresa de cigarro - Dessa vez, não deu..
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Decisão do TJRS
5ª Câmara Cível mantém decisão que indeferiu ação de reparação contra empresas de cigarros
Por maioria, a 5ª Câmara Cível do TJRS manteve a decisão da 10ª Vara Cível do Foro Central da Capital que indeferiu a ação de reparação de danos intentada por fumante contra a Philip Morris Brasil S.A. e Souza Cruz S/A. A sentença confirmada foi proferida pelo Juiz de Direito Luiz Augusto Guimarães de Souza.
Participaram da sessão a Desembargadora Ana Maria Nedel Scalzilli, que presidiu o julgamento, e o Desembargador Pedro Luiz R! odrigues Bossle. Ambos votaram pelo indeferimento da apelação. Já o re lator, Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, votou pela condenação das empresas.
O autor requereu na Justiça a condenação dos réus ao pagamento de danos morais, materiais e pessoais. Estaria completamente intoxicado pelos componentes químicos do cigarro. Aos 60 anos de idade, continua consumidor assíduo, pois nunca conseguiu parar com o seu vício.
Solicitou a realização de perícia médica e a oitiva de testemunhas. Inicialmente deferida a produção da prova pericial, a decisão foi depois revista. A sentença julgou improcedente a ação, condenando o requerente ao pagamento das custas processuais e dos honorários aos procuradores das rés, no valor de 10 salários mínimos arbitrados, cada um, suspensa a exigibilidade dos encargos face à concessão da gratuidade judiciária.
A Souza Cruz, respondendo o alegado pelo autor, caracterizou a ação como uma “aventura jurídica”, alertando para o fato de os Advogados do autor estarem patrocinando outras treze ações ba! stante similares. No mérito, referiu já haver mais de 100 precedentes no sentido da improcedência de ações parecidas.
Na mesma linha foi a contestação da Philip Morris, esclarecendo que a comercialização do tabaco é atividade lícita em todo o mundo, havendo inclusive, no Brasil, previsão constitucional. A colocação do cigarro no mercado não gera por si só a responsabilidade indenizatória, argumentou. Ressaltou que as regras que regulamentavam a publicidade e propaganda só passaram a ter vigência a partir de 25 de agosto de 1988, quando a União editou a Portaria nº 490. Por isso, defendeu, seria inviável responsabilizar a empresa por não ter prestado obrigações, o que não tinha obrigação de fazer. Juntou ao processo atestados de médicos que afirmam que o desejo de fumar é perfeitamente controlável.
Inconformado com a decisão desfavorável de 1º Grau, o autor da ação apelou ao Tribunal de Justiça.
Votos Vencedores
A Desembargadora Ana Maria Nedel ! Scalzilli considerou que “as provas pretendidas produzir desimportam a o deslinde da causa e se impunha o julgamento antecipado do feito haja vista tratar-se de matéria de direito”.
Relatou a Desembargadora que “o autor narra na inicial que começou a fumar aos 16 anos de idade e, atualmente, contando 60 anos, é consumidor assíduo porque estaria completamente intoxicado pelos componentes químicos”. A magistrada lembrou que o autor resaltou: “Em virtude da doença desenvolvida, diminuiu a quantidade de cigarros/dia, sem, no entanto, conseguir parar com o seu vício. Seu corpo está de tal forma acostumado com as substâncias do cigarro que não consegue usufruir deste ´prazer´”.
Adotando os argumentos utilizados pelo Desembargador Leo Lima em julgamento anterior, a magistrada considerou que “nem a eventual prova pericial garantiria tamanha dependência, a ponto de bloquear qualquer reação voluntária e firme do autor, para deixar o alegado vício, mesmo que não se negue, como não se pode negar, os graves malefícios que o cigarro causa à s! aúde das pessoas, do que todos temos plena consciência”.
Também citou a Desembargadora julgamento ocorrido em 4/11/2004, também na 5ª Câmara Cível, em que foi relatora a Juíza-Convocada Marta Borges Ortiz. Ficou assentado na ementa do acórdão que “preliminar de cerceamento de defesa, por não oportunizada a produção de provas requeridas, rejeitada, pois desnecessárias as provas ao deslinde da causa, sendo caso de julgamento antecipado. Aplicação dos artigos 130 e 330, I, do CPC.”. Também foi reafirmada a “inexistência de ilicitude na atividade das rés, quando exercitam o direito de produção e comercialização de cigarros, bem como o de publicidade de suas marcas, à luz da legislação em vigência”.
Para o Desembargador Pedro Luiz Rodrigues Bossle, por sua vez, “o simples fato de, por exemplo, não haver ilicitude na conduta das rés não implica em si, e só por isso, ausência de responsabilidade, considerando todos os aspectos que pudessem ter levado, e certamente ! levaram, o legislador a permitir essa atividade econômica. Embora sabe dor dos prejuízos à saúde da sociedade, houve por bem liberar essa atividade por sua importância econômica”.
Considerou o magistrado que “sobre a questão do livre arbítrio, é muito difícil acolher a tese do autor – é justamente quando se chega à análise do livre arbítrio, embora eu reconheça a dificuldade de superar as outras fases, mas, quando se chega a esse ponto, parece-me mais difícil ainda pela circunstância de que o autor continue a fumar após as rés serem obrigadas ao dever de informação”. E concluiu: “É público e notório que quem quer deixar de fumar deixa de fumar”.
Voto do Relator, vencido
Para o Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, relator da apelação na 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, “suponha-se que doravante se venha a entender que, uma vez provado, por perícia, que a causa do dano foi o cigarro e que havia uma situação mórbida de dependência ou vício, ex surja o dever indenizatório. Nesse caso, impedida que foi a prova pleite! ada pelo autor – porque o Juiz entendeu que o livre arbítrio tornava-a dispensável – prejudicado estará o demandante de forma irremediável. Assim, no caso concreto, o indeferimento da prova ficou vinculado a uma compreensão jurídica da matéria, antecipada àquele momento, o que se me afigura inadequado processualmente”.
E prosseguiu: “Vê-se certa contradição nos argumentos das rés: elas afirmam não haver prova de que o cigarro vicie, ou de que seja causa da morte ou de incapacitação, mas, ainda assim, opõem-se a que o demandante realize tal prova. Ora, ou se admite, como um fato notório ou uma máxima da experiência, que o tabagismo vicia, causa morte e incapacitação, ou a questão tem de ser aferida mediante prova, caso a caso”.
Para o magistrado, “não é possível, até do ponto de vista lógico, indeferir a produção de uma prova na suposição de sua complexidade ou na dúvida quanto aos seus resultados, como, aliás, já decidiu o STJ (Recurso Especial nº 140.097/SP)”! .
Utilizando argumento manifestado em julgamento de caso correl ato, de autoria do Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, o magistrado Sudbrack entende que “para que haja responsabilização civil, a conduta não precisa ser necessariamente ilícita, deve ser uma conduta que causa dano a outrem. O que está em jogo não é a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes de cigarro, mas sim os danos causados por essa conduta, seja ela lícita ou não”.
Comparou a questão do consumo do cigarro à situação de uma roda gigante em um parque de diversões: por poder causar malefícios a pessoas com hipertensão, por exemplo, o empresário está obrigado a advertir que tal equipamento é desaconselhado a pessoas com determinadas características, sob pena de responder pelo resultado. Três situações surgiriam, imagina: a) é colocada uma informação falsa, ou seja, afirma-se não haver qualquer restrição para o uso do equipamento; b) uma informação verdadeira, alertando-se para as restrições; e c) não é divulgada informação alguma, deixan! do-se de alertar o público a respeito das restrições.
Na situação “a”, certamente, ninguém duvidaria de que se está no terreno do ilícito, do dolo puro e direto; na situação “b”, quem usa o equipamento o faz por sua conta e risco. A situação “c”, porém, revela-se mais complexa, pois não foi apresentada nenhuma informação falsa, mas também não foi feita advertência qualquer.
O empresário sabia, neste caso, ou deveria saber, que a sua “montanha russa” era inapropriada ao hipertenso, considerou. “Imagine-se que assim o fez o empresário para abranger um número maior de clientes – tanto as pessoas saídas como aquelas com algum problema, silenciando, para aumentar seu negócio.” E continuou: “Se no parque de diversões, o hipertenso vier a falecer, não creio que esta Corte duvidaria em determinar a indenização, pela violação de deveres essenciais das relações jurídicas, seja a título de culpa, seja a título de dolo”.
Para o Desembargador Sudbrack, “a situação! dos autos em nada difere do que acaba de ser descrito”. “Livre arbítr io supõe conhecimento integral das circunstâncias inerentes a determinado produto, o qual, no período que interessa, não foi objeto de esclarecimento por parte das rés”.
O julgamento ocorreu em 5/5 e a decisão foi publicada no Diário da Justiça no dia 3/6.
Proc. 70011221298 (João Batista Santafé Aguiar)